Qualquer pessoa que se dedique a uma atividade artesanal depara-se rapidamente com a inexorável espessura do tempo. Na pequena escala de produção que é a dos artesãos, o tempo que passa assume uma materialidade que dificilmente chega a ser pressentida noutros contextos de trabalho, embora esteja inevitavelmente presente em todos eles, e isto acontece porque o artesão cobre muitas vezes toda a cadeia de produção e é em geral o único responsável pela execução de peças do princípio ao fim do processo ou o supervisor de uma pequena cadeia de produtores.
Nos alvores do movimento Arts and Crafts em Inglaterra, John Ruskin encarava o trabalho manual e artesanal como um ideal de trabalho dignificante, por oposição ao trabalho fabril em que a segmentação de tarefas produzia uma forma de alienação do trabalhador, que perdia assim não só a noção do todo como a noção do tempo.
No passado dia 17 de maio, na última sessão das Creative Mornings do Porto, a Alice Bernardo fez a apresentação do seu Saber Fazer (um projeto dedicado à formação de todos os curiosos que queiram aprender a produzir e a transformar fibras naturais como a lã, a seda e o linho bem como aventurar-se na produção de pigmentos naturais) e para demonstrar a especificidade do seu trabalho explicou que a raiz da rubica tinctorium, uma das fontes ancestrais do cor vermelha na tinturaria natural, demora 10 anos a atingir o ponto ideal para ser usada como pigmento: 3 anos a crescer dentro da terra, 7 anos de secagem. Embora a apresentação da Alice se tenha concentrado na matéria, concluindo mesmo com a pequena provocação de se afirmar como uma “materialista”, o que me ocorreu foi que a tradução da matéria em tempo que ela fizera poderia constituir o verdadeiro fulcro da atividade de todos os que voltam às raízes (literal e metaforicamente) para reencontrar a substância primeira do labor, do fazer…
Num tempo em que como já foi mil vezes repetido “sabemos o preço de tudo e não sabemos o valor de nada”, retomar a consciência do tempo, o único recurso rigorosamente finito com o qual todos temos de lidar, torna-se fundamental e é sem dúvida a matéria-prima de toda a atividade artesanal enquanto processo por excelência da procura de uma certa forma de depuração…
Tendo sido toda a vida uma péssima gestora de tempo e sofrendo até de alguma desconfiança em relação a propostas e sugestões para resolver o problema, foi como artesã que deixei de poder fugir à materialidade do tempo e a sua interiorização se impôs como uma necessidade vital e não apenas como um capricho de uma “estrutura” ou “entidade” que me fosse estranha, exterior a mim e às minhas necessidades…
Digamos que imperara em mim até aí uma certa noção infantil do tempo, ou seja, uma certa sensação de invencibilidade em relação ao tempo e à sua passagem. Não havia sentido de urgência que me apanhasse desprevenida! Tudo podia esperar… Tinha o tempo todo à minha frente!
Mesmo agora, a minha incontrolável preguiça obriga-me a travar esta luta diariamente. Juntar os pequenos pedaços de trabalho que somados farão surgir o “produto”: projetos, experiências, amostras, encomendas, o último botão, as etiquetas, as pontas soltas… Empurrar persistentemente com os cornos cada uma das etapas que me impedem de ver logo, logo o resultado final, tal como este se me apresentou – qual visão profética – na minha pobre cabeça! O que custa uma pessoa crescer devagar…